Ainda sobre finados e o fim da história

Há quem considere os cemitérios um desperdício econômico. “Como assim gastar espaço com quem nada mais produz?” – pensam. “Cremar é melhor, sobra pouca coisa e é uma atividade rentável” – imaginam. E dá-lhe justificativas espiritualistas, que eu respeito, mas não concordo: não estão mais no corpo; é só matéria; vivem em outro plano, no vento, nas árvores; e etc…

No fundo, subjacente, encontra-se a velha e mofada ética do capital, a cultura do descartável, o prazer pela obsolescência e a objetificação do que é humano, tanto quanto de tudo que há na Casa Comum: animais, rios, montanhas… Se não serve mais, joga-se fora, explora-se o terreno, especula-se o espaço imobiliário. E, junto a isso, o desprezo pela memória e pela história; pela coletividade, sejamos mais específicos.

Cemitérios, além de melancolia ou saudade, são também lugares de pesquisa e museus que comunicam mensagens científicas, políticas e sociológicas ao presente. Que dizer dos enfileirados que morreram entre 2020 e 2021, vítimas da COVID19? Ou da seção de jovens entre 15 e 29 anos, de tiro, na guerra do tráfico? Mais: símbolos de que somos e existimos no universo. Servem mais aos vivos do que aos defuntos. Transmitem informações e lições. Podem funcionar como livros para quem tem a sensibilidade de ler em suas entrelinhas silenciosas.

O homem morreu! Viva o lucro!

Publicado originalmente em 06/11/2024 em https://professorlevon.home.blog/2024/11/06/ainda-sobre-finados-e-o-fim-da-historia/

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Vlade Patrício: o contador de histórias do Alto Rio Pardo

É possível salvar as almas sem se preocupar com os corpos?

Antítese