Branco Tiú (parte 1)

É sábado. À frente, vai o menino guiando os bois que vagarosamente puxam o carro. O eixo em atrito canta a se ouvir de longe. Na carga, alforjes com mantas de carne, sacos contendo farinha de mandioca e malas cheias de rapadura. Tudo para vender na feira de Condeúba.

À beira da estrada, um homem robusto, de semblante castigado pelo ambiente, branco, de olhos claros, cerca de vinte e cinco a trinta anos de idade, acorrentado a um tronco de segurar doido, ao lado de um casebre, grita: – Menino, vem cá. Tem carne aí? Me dá um tiquinho. Estou com fome.

Otílio, meio assustado, freia os bois e espera Antônio, seu pai, que ficou para trás, a conversar com um compadre que encontrara pelo caminho.

– Pai, o homem disse que tem fome. Quer um pedacinho de carne.

– Bom dia, meu senhor – fala Antônio, aproximando-se do infeliz aprisionado.

– Estou para morrer de fome! Me dá um de comer – insiste.

Antônio volta-se para Otílio e manda o menino ir à uma das bruacas, cortar um naco de carne de sol e dar ao homem. De susto, uma mulher sai correndo da choupana. – Não dá carne pra ele não! Ele é doido – grita ela, indicando o homem amarrado. – Eu sou a mulher dele. Dá pra mim – pede.

Um pouco confuso, Otílio olha ao pai, que assente para que entregue o donativo à mulher.

Seguem para a feira de Condeúba. O carro de boi estribilha. O ano é 1921.

Publicado originalmente em 03/02/2025 em https://professorlevon.home.blog/2025/02/03/branco-tiu-parte-1/

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