Café caro mesmo com inflação mais baixa em janeiro: entenda tecnicamente o motivo
O café, símbolo cultural e econômico do Brasil, está até no brasão das armas nacionais, enfrenta uma disparada de preços histórica. Em janeiro de 2025, o produto atingiu o maior valor em 28 anos, com a saca de 60 kg de arábica chegando a R$ 2.750 em algumas regiões. Enquanto isso, o consumidor brasileiro viu o preço do pacote de 1 kg subir quase 50% em 12 meses. Mas o que está por trás desse cenário? E por que outros alimentos também encareceram, mesmo com a inflação geral de alimentos desacelerando para 0,96% em janeiro, a menor desde a criação do Plano Real?
1. Clima adverso: o maior vilão das lavouras
Os eventos climáticos extremos são o ponto de partida para entender a crise. Secas prolongadas e ondas de calor nos estados produtores (como Minas Gerais e São Paulo) prejudicaram a floração e o desenvolvimento dos grãos. Em 2024, a produção brasileira caiu para 54 milhões de sacas, contra 63 milhões em 2020. As plantas, sob estresse, “abortaram” frutos para economizar energia, reduzindo a colheita. Além disso, geadas históricas em 2021 e o fenômeno El Niño em 2024 agravaram os danos, afetando também o Vietnã (2º maior produtor global) e a Indonésia, que dependem do café robusta.
2. Custos de produção e logística: a conta que chega ao consumidor
A desvalorização do real frente ao dólar encareceu insumos como fertilizantes e defensivos agrícolas, essenciais para o cultivo. Somam-se a isso os custos de transporte: conflitos no Oriente Médio elevaram o preço dos contêineres e obrigaram rotas alternativas, aumentando o tempo de entrega em até 20 dias. No Brasil, portos defasados dificultam a exportação, gerando gargalos.
3. Demanda global em alta: o mundo quer mais café
Enquanto o consumo interno cresceu modestamente (1,1% em 2024), a demanda internacional explodiu. A China, por exemplo, saltou da 20ª para a 6ª posição entre os maiores importadores de café brasileiro, impulsionada por cafeterias como a Luckin Coffee, que tem 9.300 lojas no país. A Europa, responsável por 30% do consumo mundial, também aumentou as compras, pressionando os estoques globais, que devem atingir o menor nível em 25 anos.
4. Exportações em ritmo recorde: o agronegócio prioriza o mercado externo
Com os preços internacionais em alta (o café arábica ultrapassou US 4 por libra em 2025),os produtores brasileiros estão vendendo mais para fora. Em 2024, as exportações bateram recorde: 50 milhões de sacas, gerando US 4 por libra em 2025),gerando US 12,5 bilhões em receita. Para muitos agricultores, vender 30% da produção já cobre os custos, incentivando a priorização do mercado externo. Isso reduz a oferta interna, elevando os preços domésticos.
5. Inflação menor, mas pressionada por alimentos
Apesar da desaceleração da inflação geral em janeiro (0,96%), puxada por quedas no leite e batata, o café continuou subindo (+8,56% no mês). O fenômeno reflete uma tendência global: commodities agrícolas como cacau e suco de laranja também tiveram altas significativas, contribuindo para o “efeito colateral” do sucesso do agronegócio exportador.
6. Consequências para o consumidor e perspectivas
Enquanto o café servido em bares subiu 10,49% em 12 meses, o produto vendido em supermercados teve alta de 50,35%. A indústria ainda não repassou todos os custos aos preços, o que indica mais ajustes em 2025. Para economizar, especialistas sugerem comprar a granel, aproveitar promoções e reduzir desperdícios.
A esperança de alívio está na próxima safra, prevista para abril/maio, mas as projeções são cautelosas: a produção de 2025 deve ser 4,4% menor que a anterior. Enquanto isso, o Brasil segue colhendo os frutos (amargos para o consumidor interno e doces para o grande agronegócio) de ser o maior exportador global de café.
Fontes: Dados do Cepea, Conab, Abic e relatórios da Organização Internacional do Café (OIC).
Publicado originalmente em 16/02/2025 em https://professorlevon.home.blog/2025/02/16/cafe-caro-mesmo-com-inflacao-mais-baixa-em-janeiro-entenda-tecnicamente-o-motivo/
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