Frei Jucundiano de Kok: Uma vida de devoção e serviço ao sertão mineiro
Em janeiro de 2025, visitei o Arquivo Arquidiocesano de Montes Claros, em busca do livro do tombo da Paróquia de Santo Antônio de Salinas. O objetivo foi ver se naquele documento histórico havia alguma referência à passagem da Coluna Prestes pelo Alto Rio Pardo, em 1926. Nada encontrei. Porém, para minha grata surpresa, achei um relato sucinto sobre a data da morte de Frei Jucundiano de Kok, no ano de 1974, em Taiobeiras. E, a lápis, o frade de Salinas, à época, anotou “Revista da Província Franciscana de Santa Cruz, ano XXXIX, nº 4, de 1974, a partir da página 277”. Copiei.
Chegando a Taiobeiras, busquei na internet o contato da Província de Santa Cruz. Vi no site o endereço eletrônico do arquivo da referida circunscrição franciscana, que tem sede em Belo Horizonte. Mandei um e-mail, com os dados tomados do livro do tombo de Salinas, solicitando acesso ao material, caso estivesse digitalizado.
Poucos dias depois, recebi com imensa alegria uma resposta, com todo o material solicitado em PDF. O documento original tem oito páginas, em fonte com tamanho bem pequeno, provavelmente 10. A princípio, tenho a imensa honra de disponibilizar esta síntese aos leitores, já no clima da celebração dos 90 anos da Paróquia São Sebastião de Taiobeiras (20 de maio), visto que Frei Jucundiano foi seu primeiro pároco. Leia com atenção o resumo.
No coração do sertão mineiro, onde a fé e a simplicidade se entrelaçam, viveu e atuou Frei Jucundiano de Kok, um missionário franciscano holandês que dedicou sua vida ao serviço religioso e comunitário. Nascido Adrianus Cornelis de Kok, em 18 de fevereiro de 1901, na pequena vila de Dongen, na província de Brabante, Holanda, Frei Jucundiano deixou um legado de humildade, dedicação e amor ao próximo, que permanece vivo na memória dos que o conheceram.
Filho de uma família pobre, mas profundamente religiosa, Jucundiano, ou “Juca”, como era carinhosamente chamado, cresceu em um ambiente marcado pela fé católica e pelo trabalho árduo. Seu pai, sapateiro, sustentava a família com o suor do seu ofício, enquanto a mãe cuidava da casa e dos filhos. Desde cedo, Juca demonstrou inclinação para a vida religiosa, inspirado pelos exemplos de piedade que o cercavam. “Ele era um menino piedoso, obediente, humilde”, como descreveu em sua autobiografia, deixada como um testemunho de sua trajetória.
Aos 21 anos, após cumprir o serviço militar na cavalaria holandesa, Juca decidiu seguir seu chamado religioso. Ingressou no seminário dos Missionários da Sagrada Família, mas foi na Ordem de São Francisco que encontrou seu verdadeiro lar espiritual. Em 1928, tornou-se Frei Jucundiano, emitindo seus votos simples no ano seguinte; e os votos solenes em 1932. Foi então que ele recebeu a missão que definiria sua vida: servir como missionário no Brasil.
Chegando ao Brasil em 1932, Frei Jucundiano enfrentou os desafios de adaptação a um país tão diferente de sua terra natal. “Na manhã da partida chegaram bem atrasados à estação de Sabará para viajar a Divinópolis. Mas olha! o trem estava esperando”, relembrou ele, surpreso com a gentileza do povo brasileiro. Na ocasião, os frades acharam que o trem os esperava por bondade, mas logo descobriram que a verdadeira razão era outra: o trem havia sido obrigado a dar passagem a um comboio especial com soldados que retornavam da revolução em São Paulo. Apesar disso, o episódio foi visto como uma espécie de “ditada daqueles fradinhos”, uma expressão carinhosa que refletia a simplicidade e a fé com que encaravam os desafios da missão.
Ordenado sacerdote em 1934, ele iniciou seu ministério em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, onde logo se destacou por sua dedicação e zelo pastoral. Ao longo de mais de três décadas, Frei Jucundiano serviu em diversas paróquias da região, incluindo Itinga, São Pedro do Jequitinhonha e, finalmente, Taiobeiras, onde fixou residência e se tornou uma figura querida e respeitada. “O povo aqui é bom, como em Itinga”, escreveu ele, referindo-se aos sertanejos humildes e piedosos que o acolheram como um pai. Em Taiobeiras, ele construiu uma igreja espaçosa e promoveu festas religiosas que atraíam multidões, consolidando a comunidade católica local.
Um dos marcos de seu trabalho em Taiobeiras foi a criação do “jubileu” em honra a Nossa Senhora de Fátima. Frei Jucundiano, com o apoio da comunidade, ergueu uma capela votiva dedicada à Virgem de Fátima, que se tornou um local de peregrinação e devoção. Anualmente, o jubileu atraía fiéis de diversas regiões, que vinham para participar das celebrações e renovar sua fé. “Graças a Juca, Taiobeiras também tem seu jubileu”, destacou um de seus confrades, referindo-se ao impacto espiritual e social que o evento teve na região.
Sua vida foi marcada pela simplicidade e pelo desapego material. “Não fazia despesas supérfluas, econômicas até o extremo, para poder ajudar seus seminaristas no estudo”, relatou um de seus confrades. Apesar de não ter conseguido formar um sucessor, Frei Jucundiano deixou um legado de fé e serviço que transcende gerações. Ele era conhecido por sua franqueza, bondade e simplicidade, mas também por sua firmeza em defender os valores da Igreja. “Era difícil convencê-lo do préstimo de uma novidade”, observou um padre da Cúria, destacando sua resistência a mudanças que considerava contrárias ao bem de sua comunidade.
Nos últimos anos de vida, Frei Jucundiano enfrentou problemas de saúde, incluindo uma grave ferida no pé que quase o levou à amputação. Mesmo assim, ele insistiu em continuar servindo sua paróquia, celebrando missas e administrando sacramentos até onde suas forças permitiam. “Se devia morrer, queria morrer como um bom soldado, no campo da batalha, armas na mão, sem recuar, sem fugir”, escreveu ele, refletindo seu espírito incansável.
Frei Jucundiano faleceu em 27 de julho de 1974, após uma vida dedicada à fé e ao serviço. Sua morte foi sentida profundamente pela comunidade de Taiobeiras, que o via como um patriarca e guia espiritual. “Era o pai da grande família de paroquianos, o mentor, o amigo dos grandes e pequenos, conhecido, respeitado, consultado, estimado, quase adorado por todos”, descreveu um de seus confrades.
Hoje, Frei Jucundiano de Kok é lembrado não apenas como um missionário, mas como um exemplo de dedicação, humildade e amor ao próximo. Sua história nos inspira a refletir sobre o verdadeiro significado do serviço e da fé, especialmente em um mundo cada vez mais marcado pelo individualismo e pela busca de riquezas materiais. Que sua vida continue a iluminar os corações daqueles que buscam seguir os caminhos da fé e da caridade.
Publicado originalmente em 13/02/2025 em https://professorlevon.home.blog/2025/02/13/frei-jucundiano-de-kok-uma-vida-de-devocao-e-servico-ao-sertao-mineiro/
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